“Precisamos da história,
mas não como precisam dela
os ociosos que passeiam
no jardim da ciência.”
- Nietzsche
os ociosos que passeiam
no jardim da ciência.”
- Nietzsche
O primeiro livro editado pela L-Dopa – e outros como o livro de contos de O’Henry estão a caminho – foi a autobiografia do historiador norte-americano Howard Zinn, Você não pode ser neutro num trem em movimento (2005). Livros de memórias não costumam ser lugares particularmente instrutivos sobre a época em que o autor viveu – apenas como se um “pano de fundo” diferente do nosso fosse visível, vez por outra, quando o protagonista se agacha. Zinn – da sua infância pobre à recente contestação da “Guerra contra o terrorismo”, passando por sua experiência como bombardeiro na Segunda Grande Guerra, seu envolvimento com a luta pelos direitos civis no Sul e a campanha contra a intervenção no Vietnã – realiza uma espécie de radiografia. Em seu influente livro A People’s History of the United States, essa visão de raio-X articula o nível macro com o micro. O mesmo se dá em Você não pode ser neutro num trem em movimento, mas dessa vez partindo do individual para o contexto, uma biografia de alianças, de encontros e de uniões, uma história pessoal de histórias inter-pessoais.
A história radical que Zinn advoga diz que se escape da cronologia de sucessões aplainadas com que a explicação da história oficial nos habituou. Ela reconhece e defende a tendência subjetiva na interpretação do passado. David Edwards escreve:
“Como Howard Zinn argumentou em seu recente livro Você não pode ser neutro num trem em movimento, não é o viés que é o problema, mas o tipo de viés (e o fato que pessoas não admitem seu viés mas fingem objetividade). Qualquer análise de eventos envolve um viés simplesmente porque toda análise requere incluir ou omitir certos eventos com base no que julgamos importante. Junto com Zinn, sou feliz em me declarar completamente enviesado - acredito que seres humanos florescem na medida em que são livres para perseguir a vida, liberdade e felicidade da maneira que preferirem.”[i]
É possível portanto traçar uma linha demarcatória entre a história radical e o historicismo. Infelizmente é o encadeamento historicista que estabelece nossa realidade presente, e aqui o real se opõe ao possível. Howard Zinn, negando a causalidade historicista, revela a força que há no agora, indo de encontro à maioria dos historiadores e suas cronologias tradicionais. “É paradoxal que o historiador”, considera Zinn, “que é presumidamente abençoado com a perspectiva histórica, julgue o radical de dentro da estreita base moral do período de atividade do radical, enquanto o radical estima a sociedade do ponto vantajoso de alguma era futura, melhor.”[ii] A história é sempre inconclusa, uma construção permanente e singular.
Uma característica comum a todas as lutas com as quais Zinn se envolveu é o que se pode denominar efeito geleira. Como uma geleira, que se movimenta lentamente até chegar a um ponto de transformação, os movimentos sociais, na visão de Zinn, estão sempre ganhando momento, até que há a reação em cadeia. De tal forma, ao extrair inspiração do passado, Zinn salienta instantâneos de lutas aparentemente circunscritas a um campo pequeno. Mas julgar tais esforços como pequenos é sempre, como aponta o historiador, um erro de perspectiva.
“Nós devemos ser encorajados por exemplos históricos de mudança social, por como mudanças surpreendentes acontecem subitamente, quando você menos espera, não devido a um milagre do topo, mas porque as pessoas trabalharam pacientemente por um longo tempo. Quando as pessoas ficam desencorajadas porque fazem algo e nada acontece, elas deveriam realmente compreender que a única maneira de as coisas acontecerem é se as pessoas passarem além da noção de que devem ver sucesso imediato. Se elas ultrapassarem essa noção e persistirem, então elas verão as coisas acontecendo antes mesmo de perceberem.”[iii]
A linearidade do decurso, a homogeneidade de um tempo oco – o historiador para Howard Zinn explode tudo isso e trabalha com esses pedaços (como a luta contra a segregação nas bibliotecas descrita na autobiografia, por exemplo) que parecem pequenos e sem importância, mas que ele combinará e de que extrairá inspiração para as lutas presentes. Zinn, ao criticar a ingenuidade positivista no estudo do passado, retorna a história ao seu papel político.
Notas de fim
[i] EDWARDS, David. Burning All Illusions: A Guide to Personal and Political Freedom. South End Press, 1996, p. 190.
[ii] ZINN, Howard. The Zinn Reader: Writings on Disobedience and Democracy. Seven Stories Press, 1997, p. 123.
[iii] ZINN apud BARSAMIAN, David. Louder Than Bombs: Interviews from the Progressive Magazine. South End Press, 2004, p. 207.
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