sábado, 21 de março de 2009

Howard Zinn - entrevista (Goatmilk)

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Esta entrevista foi realizada por Wajahat Ali em 2008, antes da eleição de Barak Obama.

ALI: Suas experiências e atos de desobediência civil no Colégio de Spelman são, a esta altura, muito conhecidos. Entretanto, no século XXI, pode-se ver observar o corpo estudantil de muitos campi de faculdades liberais e ver que o protesto vivaz e a consciência foram substituídos pela apatia e o materialismo. Onde esse espírito de luta foi parar? Você se pronunciou contra o “desencorajamento” na fala de abertura do ano de 2005 na Universidade de Spelman – e quanto a agora?

ZINN: O que você descreve como a diferença entre os anos sessenta e agora nos campi é verdade, mas eu não iria longe demais com isso. Há grupos em campi por todo o país trabalhando contra a guerra, mas são pequenos até agora. Lembre-se, a escala do envolvimento no Vietnã era maior – 500 mil soldados contra 130 mil no Iraque. Após cinco anos de Vietnã havia 30 mil americanos mortos, ao passo que hoje temos 4 mil mortos. O alistamento obrigatório ameaçava os jovens, hoje não. Há maior controle pelo establishment da mídia hoje em dia, que não está mostrando os horrores infligidos no povo do Iraque assim como a mídia norte-americana começou a mostrar atrocidades como o massacre de My Lai. No caso do movimento contra a Guerra do Vietnã, houve a radicalização imediata da experiência do Movimento dos Direitos Civis pela igualdade racial, cuja energia e indignação levou adiante o movimento estudantil contra a Guerra do Vietnã. Nenhum influxo comparável existe hoje. E sim, há mais materialismo, mais insegurança econômica para os jovens que vão à universidade – custos enormes de taxas escolares pressionam os estudantes a se concentrarem só nos estudos e irem bem na escola.

ALI: Você esteve profundamente envolvido no Movimento dos Direitos Civis que lidou não apenas com igualdade racial, mas também um re-exame do política estrangeira dos Estados Unidos e da retirada da brutal Guerra do Vietnã. Aqui estamos em 2008 com uma ocupação aparentemente sem fim, e alguns diriam ilegal, do Iraque. “Racismo” emergiu como um tópico de contenda devido à candidatura para presidente de Obama e comentários controversos de seu reverendo. No entanto, a maioria diz que ele e outros candidatos “falam bonito” mas não estão dispostos a confrontar fundamentalmente e mudar os problemas de raça e política estrangeira. Como alguém que tem observado o clima sócio-político dos movimentos populares desde 1960, o que mudou (se algo mudou) em relação à equanimidade racial, e humanização de não-americanos, o “outro estrangeiro”?

ZINN: O Movimento dos Direitos Civis foi uma experiência educativa para muitos americanos. O resultado foi mais oportunidades para uma pequena porcentagem de negros, talvez 10% ou 20%, então, jovens negros indo à universidade e entrando em profissões. Uma maior consciência entre brancos – não todos, mas muitos – do racismo. Para a maioria dos negros, entretanto, ainda há pobreza e sofrimento. Os guetos ainda existem, e a proporção de negros na prisão ainda é muito maior do que a de brancos. Hoje, há menos racismo aberto, mas as injustiças econômicas criaram um “racismo institucional” que existe mesmo quando há negros em posições superiores, como Condoleeza Rice na administração Bush e Obama candidato a presidente.

Infelizmente, a maior consciência entre brancos sobre a igualdade dos negros não foi levada para as novas vítimas do racismo – muçulmanos e imigrantes. Não há equanimidade racial para esses grupos, que é enorme. Milhões de muçulmanos e um igual número de imigrantes que, legais ou ilegais, enfrentam a discriminação tanto legalmente por parte do governo quanto extra-legalmente por parte dos americanos brancos – e às vezes americanos negros e hispânicos. Os candidatos presidenciais democratas estão evitando esses assuntos para cultivar apoiar entre os americanos brancos.

Isso é vergonhoso, especialmente para Obama, que deveria usar sua experiência como negro para educar o público sobre discriminação e racismo. Ele é cauteloso em fazer afirmações fortes sobre esses assuntos e política estrangeira. Então, mantendo-se em linha com a tradição de cautela e timidez do Partido Democrata, ele adota posições levemente à esquerda dos Republicanos, mas muito aquém do que seria uma política esclarecida.

ALI: Você disse que o espírito democrático do povo americano é melhor representado quando pessoas protestam e expressam suas opiniões fora da Casa Branca. Como essa natureza de dissenso e protesto serve como o baluarte de uma democracia e uma sociedade civil saudável e funcionando? Muitos argumentariam que isso divide as coisas, ou não?

ZINN: Sim, dissenso e protesto dividem, mas de uma forma boa, porque representam de maneira acurada as divisões reais na sociedade. Essas divisões existem – os ricos, os pobres – se há dissenso ou não, mas quando há dissenso, há mudança. O dissenso tem a possibilidade não de acabar com a divisão na sociedade, mas mudar a realidade da divisão. Mudar a balança do poder em prol dos pobres e oprimidos.

ALI: Uma História do Povo dos Estados Unidos é considerado agora uma obra seminal, ensinada em colégios e universidades por todo o país. Por que você acha que a obra tem tal poder duradouro, tanta influência?

ZINN: Porque preenche uma necessidade, porque há um enorme vazio de verdade nos textos históricos tradicionais. E porque pessoas que conseguem alguma compreensão por si mesmas que há algo de errado na sociedade, ela buscam algo para sua nova consciência; seus novos sentimentos para serem representados por uma história mais honesta.

ALI: Votos de minorias, como hispânicos católicos, foram fundamentais para Bush em 2002, e alguns filhos de imigrantes tem uma raiva e um desdém virulentos contra imigrantes “ilegais”. Parece que muitas vozes marginalizadas esqueceram sua história e agora estão do lado daqueles que tencionam ativamente mantê-los ou às margens ou de alguma forma “oprimidos”. Como explicamos essa discrepância?

ZINN: Porque é do interesse de quem está no poder de dividir o resto da população para governá-los. Colocar os pobres contra a classe média, os brancos contra os negros, nativos contra imigrantes, cristãos contra outras religiões. Serve aos interesses do establishment manter as pessoas ignorantes de suas próprias histórias.

ALI: Muitos dizem que as corporações possuem a mídia americana. Qual é a expressão apropriada para o discurso democrático e disseminação de informação se de fato há um monopólio enviesado sobre a mídia?

ZINN: Como há o controle da mídia pelo poder corporativo, descobrir a verdade depende da mídia alternativa, tais como estações de rádio pequenas, redes como a Pacifica Radio, programas como Amy Goodman’s Democracy Now. Também, jornais alternativos, que existem por todo o país. Também, programas de TV a cabo, que não dependam de propagandas comerciais. E também a internet, que pode alcançar milhões de pessoas desviando da mídia convencional.

ALI: Algo irá mudar com relação à política estrangeira do EUA no Oriente Médio, especificamente na Palestina e em Israel caso os democratas ganhem em 2008?

ZINN: Os candidatos democratas, Clinton e Obama, não mostraram nenhum sinal de mudança fundamental da política de apoio a Israel. Não mostraram empatia com o sofrimento dos palestinos. Obama ocasionalmente se referiu à situação dos palestinos, mas à medida que a campanha tem prosseguido, ele tem enfatizado seu apoio a Israel. Então, uma mudança de política irá exigir mais pressão de outros países e mais educação do povo americano, que sabem agora muito pouco sobre o que está acontecendo com o povo palestino. Os americanos são naturalmente simpáticos àqueles que vêem como sendo oprimidos, mas têm pouca informação por parte de seus líderes políticos ou da mídia, que poderiam lhe dar uma imagem realista do sofrimento dos palestinos sob a Ocupação.

ALI: Como “a esquerda” pode reconciliar sua suposta indiferença à religião com o crescente setor “religioso” da sociedade se juntando a partidos “conservadores”? Pode haver paz entre os dois ou é um cisma permanente? Já notei fanatismo dos dois lados, entre os “seculares” e “religiosos”.

ZINN: A esquerda precisa fazer uma distinção mais clara entre a intolerância do fundamentalismo e a tradição progressista na religião. Na América Latina, por exemplo, há a “teologia da libertação”. Nos EUA, há os padres e as freiras que apoiaram os negros no Sul e que protestaram contra a Guerra do Vietnã. Então não é sobre ser a favor ou contra a religião, mas decidir se a religião pode ter um papel de justiça e paz ao invés de violência e intolerância.

ALI: Muitos não sabem que você foi um bombardeiro durante a Segunda Grande Guerra. Essa experiência lhe trouxe algum tipo de epifania, catalisando mudanças fundamentais na sua ideologia?

ZINN: Eu não sabia muita história quando me tornei um bombardeiro na Força Aérea Americana na Segunda Grande Guerra. Só após a guerra vimos que, como os nazistas, havíamos cometido atrocidades. Hiroshima, Nagasaki, Dresden, minhas próprias missões de bombardeio. E quando estudei história depois da Guerra, aprendi de minhas próprias leituras, não das minhas aulas na universidade, sobre a história de expansão e militarismo dos EUA.

ALI: Você é um homem em seus anos dourados, e você olha para trás para suas muitas realizações. Você fez coisas impressionantes. Algum arrependimento? E também, se você pudesse escolher algo que fosse seu legado – o que seria?

ZINN: Não tenho arrependimentos sobre minhas atividades políticas, só que às vezes me empolguei demais e não encontrei o balanço apropriado entre as obrigações para com minha família e minha necessidade de estar envolvido com movimentos sociais. Quanto a alguma trabalho meu que corporifique meu “legado”, provavelmente não é um livro, mas a combinação de ser um escritor e um ativista, ser um intelectual público, usar minha instrução para a mudança social.

ALI: Muitos olham para horizontes futuros com olhos sem esperança, cínicos, prevendo cenário desastrosos resultando de nosso descuido e excesso. Recessão. Guerra. Déficit. Extremismo. Anti-americanismo global. Políticas partidárias insinceras. Iremos implodir? Podemos avançar? Você tem esperança para o futuro da América?

ZINN: A situação presente para os EUA parece ruim, mas sou esperançoso, à medida que vejo o povo norte-americano acordar e ser majoritariamente contra esta guerra e o governo Bush, à medida que reflito sobre os movimentos na história e como eles se ergueram surpreendentemente quando pareciam derrotados. Acredito que o povo americano tem a capacidade de criar um novo movimento, que poderá mudar a direção de nossa nação de um poder militar para uma nação pacífica, usando nossa riqueza enorme para necessidades humanas, aqui e no exterior.

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