quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

A História tem de ser criativa


O futuro dos EUA está ligado à compreensão do nosso passado. Por isso, escrever sobre a história, do meu ponto de vista, nunca é um acto neutral. Ao escrever, espero despertar a consciência da injustiça racial, do preconceito sexual, da desigualdade de classes e do orgulho [hibris] nacional. Também quero trazer para a luz do dia a resistência – de que nunca se fala – das pessoas contra o poder do sistema governante, a recusa dos indígenas a simplesmente desaparecerem, a rebelião dos negros no movimento contra a escravatura e o movimento mais recente contra a segregação racial, as greves feitas pela gente trabalhadora através de toda a história dos Estados Unidos da América, com a intenção de melhorar a sua vida.

Omitir esses actos de resistência é apoiar a visão oficial de que o poder se baseia unicamente nos que têm armas e possuem riqueza. Escrevo para ilustrar o poder criativo das pessoas que lutam por mundo melhor. As pessoas, quando estão organizadas, têm um poder imenso, mais que qualquer governo. A nossa história está impregnada de histórias de gente que resiste, se pronuncia, se entrincheira, organiza, contacta, cria redes de resistência e muda o curso da história.

Não quero inventar vitórias dos movimentos populares. Mas pensar que a escrita da história deve simplesmente apontar a recapitulação dos fracassos que dominam o passado é converter os historiadores em colaboradores de um ciclo interminável de derrotas. Se a história há-de ser criativa e antecipar um futuro possível sem negar o passado, creio que tem que por o acento em novas possibilidades de revelar esses episódios ocultos do passado quando, ainda que seja em breves lampejos, as pessoas mostraram a sua capacidade de resistir, de se unirem e, ocasionalmente, vencerem. Suponho, ou talvez só espero, que o nosso futuro pode encontrar-se nos fugidios momentos de compaixão do passado, em vez dos seus sólidos séculos de guerra.

A história pode ajudar as nossas lutas, se não concludentemente, pelo menos sugestivamente. A história pode fazer-nos abandonar a ideia de que os interesses governamentais e os interesses do povo são os mesmos. A história pode contar-nos a frequência com que os governos nos mentiram, como ordenaram que sectores inteiros da população fossem massacrados, como negam a existência dos pobres, como nos orientaram ao nosso momento actual – a “Guerra Prolongada”, a guerra sem fim. 

É verdade, o nosso governo tem o poder de gastar a riqueza do país como quiser. Pode enviar tropas a qualquer parte do mundo. Pode ameaçar com a detenção indefinida e a deportação de vinte milhões de imigrantes nos Estados Unidos que ainda não têm os seus cartões verdes, nem direitos constitucionais. Em nome do nosso “interesse nacional”, o governo pode deslocar tropas para a fronteira EUA-México, fazer cercas de rede para muçulmanos de certos países, escutar em segredo as nossas conversas, abrir a nossa correspondência, examinar as nossas transacções bancárias e intimidar-nos para que fiquemos calados. O governo pode controlar a informação com a colaboração dos tímidos meios de comunicação. Só assim se explica a popularidade – decrescente em 2006 (33% dos inquiridos), mas ainda alta – de George W Bush. Apesar de tudo, este controlo não é absoluto. O facto de 95% dos meios de comunicação serem a favor da continuação da ocupação do Iraque (fazendo apenas críticas superficiais à forma como esta se processa), enquanto mais de 50% do povo estar a favor da retirada, sugere uma resistência do senso comum às mentiras oficiais. Há que considerar também a natureza volátil da opinião pública, que pode mudar com uma brusquidão incrível. Há que ver como a grande maioria do apoio público para George Bush pai se desvaneceu, logo que se desvaneceu o brilho da vitória da primeira Guerra do Golfo e se impôs a realidade dos problemas económicos.

Há que pensar em como, no começo da Guerra do Vietname em 1965, dois terços dos norte-americanos apoiaram a guerra. Alguns anos depois, dois terços dos norte-americanos opuseram-se à guerra. Que aconteceu nesses três ou quatro anos? Uma osmose gradual de verdade filtrou-se pelas grilhetas do sistema de propaganda – a compreensão de que lhes tinham mentido e os tinham enganado. É o que está a suceder nos EUA enquanto escrevo estas linhas, no Verão de 2006. É fácil sentir-se deslumbrado ou intimidado ao compreender que os que fabricam as guerras têm um enorme poder. Mas uma determinada perspectiva histórica pode servir, porque nos diz que em certos momentos da história os governos descobrem que todo o seu poder é fútil face ao poder de uma cidadania levada à acção.

Existe uma debilidade básica nos governos, por massivos que sejam os exércitos, por imensa que seja a sua riqueza, por muito que controlem a informação, porque o seu poder depende da obediência dos cidadãos, dos soldados dos funcionários públicos, dos jornalistas, dos escritores, dos professores e dos artistas. Quando os cidadãos começam a suspeitar que os enganaram e retiram o seu apoio, o governo perde a sua legitimidade e o seu poder.

Vimos que isto sucedeu em decénios recentes por todo o planeta. Quando despertam uma manhã e vêem um milhão de pessoas encolerizadas nas ruas da capital, os dirigentes de um país começam a fazer as malas e a chamar um helicóptero. Não é fantasia, é história recente. É a história das Filipinas, da Indonésia, da Grécia, de Portugal e Espanha, da Rússia, Alemanha Oriental, Polónia, Hungria, Roménia. Pensemos na Argentina e na África do Sul e em outros sítios onde não parecia haver esperança de mudança e depois houve. Lembremos Somoza na Nicarágua escapulindo-se no seu avião privado, Ferdinando e Imelda Marcos recolhendo apressados as suas jóias e roupas, o Xá do Irão procurando desesperado um país que o aceitasse quando fugiu das multidões em Teerão, Duvalier no Haiti, que penas conseguiu vestir as calças, antes de escapar à fúria do povo haitiano. 

Não podemos esperar que George Bush escape de helicóptero. Mas podemos responsabilizá-lo por catapultar a nação para duas guerras, pela morte e mutilação de dezenas de milhar de seres humanos neste país, no Afeganistão e Iraque, e pelas suas violações da Constituição dos EUA e do direito internacional. Seguramente estes actos enquadram-se no princípio constitucional de “crimes e delitos graves” para a impugnação.

Naturalmente, pessoas em todo o país começaram a pedir a sua impugnação. Apesar disso, não podemos esperar que um Congresso cobarde o impugne. O Congresso que se dispôs a impugnar o Nixon por forçar a entrada num edifício, não impugnará Bush por forçar a entrada num país. Esteve disposto a impugnar Clinton pelas suas travessuras sexuais, mas não impugnará Bush por entregar a riqueza de um país aos super ricos.
Teve o tempo todo o verme que come as entranhas do governo Bush: o conhecimento do povo norte-americano – enterrado, mas numa tumba pouco funda, fácil de desenterrar – de que o governo chegou ao poder não pela vontade popular mas graças a um golpe político. Por isso, podemos estar a assistir à desintegração gradual da legitimidade deste governo, apesar da sua enorme confiança. Existe uma prolongada história de poderes imperiais que saboreiam as suas vitórias, espreguiçam-se, confiam demasiado, e não se apercebem que o poder não é simplesmente um assunto de armas e dinheiro. O poder militar tem os seus limites – limites criados por seres humanos pelo seu sentido de justiça e a sua capacidade de resistir. Os EUA, com as suas 10.000 armas nucleares não conseguiram vencer na Coreia ou no Vietname, não puderam impedir a revolução em Cuba ou na Nicarágua. Tal como a União Soviética com as suas armas nucleares e o imenso exército foi obrigado a retirar-se do Afeganistão. E não pôde impedir o movimento do Solidariedade na Polónia.

Um País com poder militar pode destruir, mas não pode construir. Os seus cidadãos inquietam-se porque as suas necessidades básicas são sacrificadas à glória militar, enquanto os seus jovens são ignorados e enviados para a guerra. O desassossego cresce, cresce e a cidadania funde-se cada vez mais com a resistência, chegam a chegar demasiados para poderem ser enquadrados. Chegará o dia em que se derrubará o inchado império. Em contrapartida, a consciência pública começa a mostrar um descontentamento, vago para começar, sem que haja conexão entre o descontentamento e as políticas do governo. E as pontas começam a ligar-se, a indignação a crescer, e as pessoas começam a pronunciar-se, a organizar-se, a actuar.

Actualmente, em todo o país cresce a consciência da falta de professores, enfermeiras, cuidados médicos, habitação acessível, a medida que se verificam os cortes orçamentais em todos os Estados da União. Um professor escreveu recentemente uma carta no Bóston Globe: “Pode suceder que 600 professores de Bóston sejam despedidos, como consequência do deficit orçamental”, O autor, depois, compara com os milhares de milhões gastos em bombas para, como diz, “enviar crianças iraquianas inocentes para os hospitais de Bagdad”. 

Quando se enevoa o pensamento com o enorme poder que os governos, as empresas transnacionais, os exércitos e a polícia têm para controlar as mentes, esmagar a discordância e destruir a rebelião, devemos recordar um fenómeno que sempre considerei interessante: os que possuem um enorme poder ficam surpreendentemente nervosos quando pensam na sua capacidade de conservar o poder. Reagem quase histericamente perante o que parecem ser sinais insignificantes e não ameaçadores da oposição.
Vemos como o governo norte-americano, blindado nas suas mil máscaras do poder, trabalha intensamente para meter na cadeia alguns pacifistas ou manter um escritor ou um artista fora do país. Recordamos a histérica reacção de Nixon a um homem solitário que se manifestava em frente da Casa Branca: “Prendam-no”!

É possível que os donos da autoridade saibam alguma coisa que eu não sei? Talvez conheçam a sua extrema debilidade. Talvez compreendam que pequenos movimentos podem converter-se em grandes movimentos, que uma ideia que se apodera da população possa chegar a indestrutível. O povo pode ser induzido a apoiar a guerra, a oprimir outros, mas essa não é a sua inclinação natural. Há os que falam de “pecado original”. Kurt Vonnegut questiona-o e fala antes de “virtude original”.

Há milhões de pessoas neste país que se opõem a actual guerra. Quando se vê numa estatística que 40% dos norte-americanos apoia a guerra, isso significa que 60% dos norte-americanos não a apoiam. Estou convicto que a quantidade de pessoas que se opõem à guerra continuará a aumentar e a quantidade de pessoas que a apoia continuará a diminuir. No caminho, artistas, músicos, escritores e trabalhadores da cultura emprestam um poder emocional e espiritual ao movimento pela paz e pela justiça. Amiúde, a rebelião começa como qualquer coisa cultural.

O desafio persiste. Do outro lado há forças imensuráveis: o dinheiro, o poder político, os principais mídia. Do nosso lado estão os povos do mundo e um poder maior que o do dinheiro e o das armas: a verdade. A verdade tem um poder próprio. A arte tem um poder próprio. A velha lição de que tudo o que fazemos importa é a importância da luta popular aqui, nos EUA, e em toda a parte. Um poema pode inspirar um movimento. Um panfleto pode desencadear uma revolução. A desobediência civil pode incitar muita gente e levá-la a pensar. Quando nos organizamos em conjunto, quando nos envolvemos, quando nos pomos de pé, e nos pronunciamos colectivamente podemos criar um poder que governo algum pode suprimir.

Vivemos num belo país. Mas aqueles que não respeitam a vida humana, a liberdade ou a justiça apoderaram-se dele. Agora depende de todos nós recuperá-lo.


Este texto é o primeiro capítulo do livro recentemente publicado por Howard Zinn: “A Power Governments Cannot Suppress” publicado por City Lights Books
* Historiador. Entre as suas obras mais divulgadas e originais está “A People’s History of the United States: 1492 to present”
Este original está em:
http://www.zmag.org/content/showarticle.cfm?SectionID=72&ItemID=11585
Tradução de José Paulo Gascão

http://www.odiario.info/?p=143

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Para continuar rebelde e sorrindo

Semana passada, faleceu de ataque cardíaco Howard Zinn. Historiador, cientista político, ativista, uma importante voz contra a Guerra do Vietnã e direitos civis nos Estados Unidos. Zinn, lutou na Segunda Guerra Mundial, foi trabalhador braçal, e chegou a universidade depois dos 27 anos de idade através de um programa do governo americano para veteranos de guerra. Publicou muitos artigos, sempre se colocando contra a opressão e o abuso de poder. Foi parceiro de Noam Choamsky e lançou uma obra fundamental para se entender os Estados Unidos "A People's History of the United States", que chegou a vendagem de 1milhão de exemplares. Conseguiu como poucos fundir, ativismo, vida acadêmica e posições políticas, sendo acima de tudo um otimista que não se rendeu ao cinismo e ao amargor.



A primeira vez que li algo a seu respeito foi no início dos anos 2000, através do encarte da banda hardcore-política de Seattle, Trial. As letras da banda faziam críticas ferrenhas ao capitalismo, no momento que aconteciam as discussões do G7, e ações do movimento anti-globalização. No encarte do disco, trechos de pensadores, e artistas que influenciavam a banda, pareciam completar o sentido das letras, Zinn estava entre eles. Pouco depois pela internet fui lendo artigos, textos, entrevistas e tendo conhecimento sobre suas posições e idéias.



Algo que sempre me chamou atenção (e não á toa, pois também sou historiador) foi sua posição de valorizar o cidadão comum, os revolucionários anônimos, os lutadores do dia a dia. Não só esteve atento como documentou muito disso através dos métodos da história oral. Ele como poucos sabia que a real transformação acontecia, nos processos, que muitas vezes são ignorados pela academia, na teia social do quotidiano. Era no cidadão comum, no ordinary people, que se poderia ver os verdadeiros protagonistas, e agentes da história.



Perda irreparável, mas se o pensador se vai ficam seus ensinamentos...



A L-DOPA, selo de hardcore-punk de Curitiba, transmutou-se em editora e lançou "Você não pode ser neutro num trem em movimento - Uma história pessoal de nossos tempos", com ótima tradução de meu amigo Nils Skare. O livro é mais que uma auto-biografia, é um retrato crítico de um tempo. Onde Zinn nos fala sobre suas memórias, louvando aqueles que conheceu e admirou. Um livro muito bonito, de leitura fácil e crítica afiada e que serve não só ao conhecimento, mas um sopro de ânimo, para que continuemos nos rebelando... com sorriso no rosto.



Serviço:

 
 
 
FONTE:  http://revista-apes.blogspot.com/2010/02/para-continuar-rebelde-e-sorrindo.html

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Howard Zinn: a história é feita pelos povos em movimento.


Howard Zinn: a história é feita pelos povos em movimento. Clique aqui e leia o artigo publicado no Passa Palavra.

Nota de Falecimento


 Howard Zinn morreu no dia 27 de janeiro de 2010. Mais informações clique aqui. Em breve estaremos publicando outras informações.

domingo, 8 de novembro de 2009

Guerra e prêmios da paz

Fiquei consternado quando soube que Barack Obama recebeu o prémio Nobel da Paz. Um choque, realmente, pensar que um presidente que leva a cabo duas guerras receberia um prémio da paz. Até que me lembrei que Woodrow Wilson, Theodore Roosevelt e Henry Kissinger tinham, todos, recebido prémios Nobel da Paz. O comité Nobel é famoso pelas suas avaliações superficiais, por se deixar conquistar pela retórica e por gestos vazios, e ignorar óbvias violações da paz mundial.



Sim, Wilson recebe crédito pela Liga das Nações - esse corpo ineficiente que não fez nada para prevenir a guerra. Mas ele tinha bombardeado a costa mexicana, enviado tropas para ocupar o Haiti e a República Dominicana, e levado os EUA para o matadouro da Primeira Guerra Mundial na Europa, seguramente entre as mais estúpidas e mortíferas guerras.



Certo, Theodore Roosevelt negociou a paz entre o Japão e a Rússia. Mas era um amante da guerra, que participou da conquista de Cuba pelos EUA, fingindo libertá-la da Espanha, enquanto apertava os grilhões estadunidenses sobre essa pequena ilha. E, como presidente, presidiu à guerra sangrenta para subjugar os filipinos, felicitando mesmo um general estadunidenses que tinha acabado de massacrar 600 aldeões indefesos nas Filipinas. O comité não deu o prémio Nobel a Mark Twain, que denunciou Roosevelt e que criticou a guerra, nem a William James, dirigente da liga anti-imperialista.



Ah! sim, o comité achou apropriado dar um prémio da paz a Henry Kissinger, porque ele assinou o acordo final que pôs fim à guerra do Vietname, da qual fora um dos arquitetos. Kissinger, que acompanhou obsequiosamente a expansão da guerra de Nixon com o bombardeamento de aldeias camponesas no Vietname, no Laos e no Camboja. Kissinger, que se coaduna perfeitamente com a definição do criminoso de guerra, teve um prémio da paz!


As pessoas deveriam receber um prémio da paz não com base em promessas que tenham feito - tal como Obama, um eloquente fazedor de promessas -, mas com base em feitos reais no sentido de acabar com a guerra; e Obama tem prosseguido as acções militares mortíferas e desumanas no Iraque, no Afeganistão e no Paquistão.




O comité Nobel da paz deveria retirar-se e entregar os seus enormes fundos a alguma organização internacional da paz que não seja assombrada pelo estrelato e pela retórica, e que tenha alguma compreensão da história.



Howard Zin



FONTE: http://wwweidosinfozine.blogspot.com/2009/11/eidos-info-zine-20.html

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Howard Zinn comenta Marx – “Je ne suis pas marxiste”

Este artigo de Howard Zinn apareceu pela primeira vez na revista Z Magazine em 1988. Questionando tanto os que não se cansam de declarar que “Marx está morto” quanto os que gostariam de utilizar sua visão de uma nova sociedade para algum governo ditatorial, este texto do autor de Você não pode ser neutro num trem em movimento continua atual e lúcido.

Tradução: Nils Skare

Há pouco tempo alguém se referiu a mim como um “professor marxista”. Na verdade, duas pessoas o fizeram. Um foi o porta-voz da “Exatidão na Academia”, preocupada que existem “cinco mil membros de faculdade marxistas” nos Estados Unidos (o que diminuiu minha importância, mas também minha solidão). O outro foi um antigo aluno que encontrei num avião rumo a Nova York, um colega de viagem. Me senti um pouco honrado. Um “marxista” significa um cara durão (o que compensa a conotação molenga de um “professor”), uma pessoa de políticas formidáveis, alguém com quem não se pode meter, alguém que sabe a diferença entre mais-valia absoluta e relativa, o que é fetichismo da mercadoria e se recusa a comprá-lo.

Karl Marx: News of the Coming Revolt
Eu também me vi surpreso, um pouco tenso (algo que os praticantes de ioga compreendem que não é bom). Será que “marxista” sugeria que eu tinha uma pequena estátua de Lenin na minha gaveta e esfregava sua cabeça para descobrir qual política seguir para intensificar as contradições no campo imperialista, ou quais canções cantar se fossemos mandados para um campo de concentração?

Além disso me lembrei da famosa afirmação de Marx: “Je ne suis pas marxiste”. Sempre me perguntei por que Marx, um alemão que falava inglês e havia estudado grego para sua tese de doutorado, faria uma afirmação tão importante em francês. Mas estou seguro que ele a fez, e creio que sei o que o levou a fazê-la. Após Marx e sua esposa Jenny se mudarem para Londres, onde três de seus seis filhos morreram de doença, e onde viveram em meio à pobreza, eles eram frequentemente visitados por um jovem refugiado alemão chamado Pieper. Esse sujeito era um total “mala” (há “malas” por todo o espectro político colocados a 5 metros de distância um do outro, mas há um Mala de Esquerda especial, à serviço da polícia, para deixar os revolucionários birutas). Pieper (juro, eu não o inventei) voava ao redor de Marx sempre em admiração, e uma vez se ofereceu para traduzir o Das Kapital para o inglês – que ele mal conseguia falar – e vivia montando Clubes de Karl Marx, exasperando Marx mais e mais, insistindo que cada palavra que Marx soltava era sagrada. Um dia Marx deixou Pieper com uma congestão quando disse a ele: “Obrigado por me convidar para falar em seu Clube de Karl Marx. Mas não posso. Eu não sou um marxista.”

Esse foi um ponto alto na vida de Marx, e também um bom ponto de partida para considerar as idéias de Marx seriamente sem se tornar um Piepet (ou um Stálin ou um Kim Il Sung, ou um marxista renascido que argumenta que cada palavra nos volumes Um, Dois e Três, e especialmente no Grundrisse é inquestionavelmente verdade). Porque me parece (correndo o risco de ver meu nome incluso na segunda edição do Registro de Marxistas, vivos ou mortos de Norman Pudhoretz) Marx tinha algumas idéias bastante úteis.

Por exemplo, encontramos no curto mas poderoso Teses contra Feuerbach de Marx a idéia de que os filósofos, que sempre consideraram sua tarefa interpretar o mundo, deveriam agora se pôr a transformá-lo, em seus escritos e em suas vidas.

Marx deu um bom exemplo. Enquanto a história o trata como um erudito sedentário, que passava todo seu tempo na biblioteca do Museu Britânico, Marx foi um ativista incansável por toda sua vida. Foi expulso da Alemanha, da Bélgica, da França e colocado sob julgamento em Colônia.

Exilado em Londres, manteve seus laços com os movimentos revolucionários de todo o mundo. Os apartamentos empobrecidos que ele e Jenny Marx, e suas crianças, habitavam, tornaram-se centro de atividade política, lugares de reunião para refugiados do continente.

É verdade, muitos de seus escritos eram impossivelmente abstratos (especialmente aqueles sobre política econômica; minha pobre cabeça, aos dezenove, boiava, ou melhor dizendo, afundava, em renda da terra e renda diferencial, a queda constante dos lucros e a composição orgânica do capital). Mas ele se distanciava disso constantemente para confrontar os eventos de seu tempo, para escrever sobre as revoluções de 1848, a Comuna de Paris, as rebeliões na Índia, a Guerra Civil nos Estados Unidos.

Os manuscritos que ele escreveu aos vinte e cinco anos no exílio em Paris (onde ficava nos cafés com Engels, Proudhon, Bakunin, Heine, Stirner) frequentemente desdenhados pelos fundamentalistas linha-dura como “imaturos”, contêm algumas de suas idéias mais profundas. Sua crítica do capitalismo nesses Manuscritos Econômico-Filosóficos não precisavam de provas matemáticas da “mais-valia”. Simplesmente afirmava (mas não afirmava simplesmente) que o sistema capitalista viola o que quer que seja ser humano. O sistema industrial que Marx viu se desenvolvendo na Europa não apenas os roubava do produto de seu trabalho, ele alienava os trabalhadores de suas próprias possibilidades criativas, uns dos outros como seres humanos, da beleza da natureza, de si mesmos. Eles viviam suas vidas não de acordo com suas próprias necessidades internas, mas de acordo com as necessidades de sobrevivência.

Essa alienação de si e dos outros, essa alienação de tudo que era humano, não poderia ser vencida por um esforço intelectual, por algo na mente. O que era necessário era uma mudança fundamental, revolucionária na sociedade; para criar as condições – um dia de trabalho curto, um uso racional da riqueza da terra e os talentos naturais das pessoas, uma distribuição justa dos frutos do trabalho humano, uma nova consciência social – para o florescimento do potencial humano, para um salto até a liberdade como ela nunca havia sido experimentada na história.

Marx compreendia o quanto era difícil alcançar isso, porque, não importa quão “revolucionários” sejamos, o peso da tradição, do costume, a des-educação acumulada de gerações, “pesa como um pesadelo sobre o cérebro dos vivos”.

Marx compreendia a política. Ele via que por trás dos conflitos políticos estavam questões de classe: quem fica com o que. Por trás de bolhas benignas em que se estaria junto (Nós o povo… nosso país… segurança nacional), os poderosos e ricos legislariam em seu próprio benefício. Ele observou (no Dezoito Brumário, uma análise brilhante e mordaz da tomada de poder napoleônica após a revolução de 1848 na França), como uma constituição moderna pode proclamar direito absolutos, que então eram limitados por notas marginais (ele poderia estar mesmo prevendo as torturadas construções da Primeira Emenda de nossa Constituição), refletindo a realidade da dominação de uma classe por outra independentemente do que estivesse escrito.

Ele via a religião não apenas negativamente como “o ópio do povo”, mas positivamente como o “suspiro da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração, a alma de condições desalmadas.” Isso nos ajuda a compreender o apelo de massa de charlatães religiosos nas telas de televisão, e ao mesmo tempo o trabalho da Teologia da Libertação em unir a espiritualidade da religião com a energia do movimento revolucionário em países extremamente pobres.

Marx estava frequentemente errado, era muito dogmático, frequentemente um “marxista”. Ele por vezes aceitava demais a dominação imperial como “progressista”, uma maneira mais rápida de levar o capitalismo ao terceiro mundo, e portanto adiantar – assim ele acreditava – o caminho para o socialismo. (Mas ele apoiava firmemente as rebeliões dos irlandeses, dos polacos, dos indianos, dos chineses contra o controle colonial).

Ele insistia demais que a classe trabalhadora industrial deveria ser o agente da revolução, e que isso deveria ocorrer nos países capitalistas avançados. Ele era desnecessariamente denso em suas análises econômicas (tempo demais nas universidades alemãs, talvez) enquanto seu insight claro e simples quanto à exploração bastava: que não importava quão valiosas fossem as coisas que os trabalhadores produziam, aqueles que controlavam a economia poderiam pagar a eles o mínimo que quisessem, e se enriquecer com a diferença.

Pessoalmente, Marx era charmoso, generoso e disposto a se sacrificar; e ao mesmo tempo arrogante, cabeça dura e abusivo. Ele amava sua esposa e seus filhos, e eles claramente o adoravam, mas ele pode também ter sido o pai do filho da empregada alemã deles, Lenchen.

O anarquista Bakunin, seu rival na Associação Internacional dos Trabalhadores, disse de Marx: “O admiro por seu conhecimento e sua devoção apaixonada e zelosa pela causa do proletariado. Mas… nossos temperamentos não se harmonizavam. Ele me chamava de um idealista sentimental, e ele estava certo. E eu o chamava de vaidoso, traiçoeiro e rabugento, e eu estava certo.” A filha de Marx, Eleanor, por outro lado, chamou seu pai de “uma das almas mais alegres, divertidas que já respiraram, um homem transbordante de humor.”

Ele sintetizava seu próprio alerta de que as pessoas, por mais avançadas que fossem em seus pensamentos, eram seguradas pelas limitações de seu tempo. Ainda assim, Marx forneceu poderosos insights, e inspiradoras visões. Não consigo imaginar Karl Marx contente com o “socialismo” da União Soviética. Ele seria um dissidente em Moscou, gosto de pensar. Sua idéia de uma “ditadura do proletariado” era a comuna de Paris de 1871, onde discussões nas ruas e nos salões da cidade forneciam a vitalidade uma democracia “debaixo para cima”; onde governantes supervisores eram imediatamente expulsos do governo pelo voto popular; onde os salários dos líderes do governo não podiam exceder o dos trabalhadores comuns; onde a guilhotina foi destruída como um símbolo da pena de morte. Marx escreveu certa vez no New York Tribune que não podia ver como a pena de morte poderia ser justificada “em qualquer sociedade que se julgasse civilizada.”

Talvez a mais preciosa herança do pensamento de Marx seja seu internacionalismo, sua hostilidade ao estado nação, sua insistência de que as pessoas comuns não têm nação a quem devam obedecer e se sacrificar em guerras, que estamos todos ligados uns aos outros pelo globo como seres humanos. Esse é não apenas um desafio direto ao moderno capitalismo nacionalista, com suas abomináveis evocações de ódio ao “inimigo” exterior, e sua falsa criação de um interesse comum para todos dentro de suas fronteiras artificiais. É também uma rejeição do nacionalismo estreito do estados “marxistas” contemporâneos, seja a União Soviética, seja a China ou qualquer outro.

Marx tinha algo importante para dizer não apenas como crítico do capitalismo, mas como um alerta aos revolucionários que, ele escreveu na Ideologia Alemã, deveriam revolucionarizar a si mesmos se queriam fazer isso com a sociedade. Ele ofereceu um antídoto ao dogmáticos, aos linha-duras, aos Piepers, aos Stálins, aos comissários, aos “marxistas”. Ele disse: “Nada humano me é estranho.”

Esse parece ser um bom começo para mudar o mundo.

sábado, 21 de março de 2009

Howard Zinn - entrevista (Goatmilk)

Fonte clique aqui

Esta entrevista foi realizada por Wajahat Ali em 2008, antes da eleição de Barak Obama.

ALI: Suas experiências e atos de desobediência civil no Colégio de Spelman são, a esta altura, muito conhecidos. Entretanto, no século XXI, pode-se ver observar o corpo estudantil de muitos campi de faculdades liberais e ver que o protesto vivaz e a consciência foram substituídos pela apatia e o materialismo. Onde esse espírito de luta foi parar? Você se pronunciou contra o “desencorajamento” na fala de abertura do ano de 2005 na Universidade de Spelman – e quanto a agora?

ZINN: O que você descreve como a diferença entre os anos sessenta e agora nos campi é verdade, mas eu não iria longe demais com isso. Há grupos em campi por todo o país trabalhando contra a guerra, mas são pequenos até agora. Lembre-se, a escala do envolvimento no Vietnã era maior – 500 mil soldados contra 130 mil no Iraque. Após cinco anos de Vietnã havia 30 mil americanos mortos, ao passo que hoje temos 4 mil mortos. O alistamento obrigatório ameaçava os jovens, hoje não. Há maior controle pelo establishment da mídia hoje em dia, que não está mostrando os horrores infligidos no povo do Iraque assim como a mídia norte-americana começou a mostrar atrocidades como o massacre de My Lai. No caso do movimento contra a Guerra do Vietnã, houve a radicalização imediata da experiência do Movimento dos Direitos Civis pela igualdade racial, cuja energia e indignação levou adiante o movimento estudantil contra a Guerra do Vietnã. Nenhum influxo comparável existe hoje. E sim, há mais materialismo, mais insegurança econômica para os jovens que vão à universidade – custos enormes de taxas escolares pressionam os estudantes a se concentrarem só nos estudos e irem bem na escola.

ALI: Você esteve profundamente envolvido no Movimento dos Direitos Civis que lidou não apenas com igualdade racial, mas também um re-exame do política estrangeira dos Estados Unidos e da retirada da brutal Guerra do Vietnã. Aqui estamos em 2008 com uma ocupação aparentemente sem fim, e alguns diriam ilegal, do Iraque. “Racismo” emergiu como um tópico de contenda devido à candidatura para presidente de Obama e comentários controversos de seu reverendo. No entanto, a maioria diz que ele e outros candidatos “falam bonito” mas não estão dispostos a confrontar fundamentalmente e mudar os problemas de raça e política estrangeira. Como alguém que tem observado o clima sócio-político dos movimentos populares desde 1960, o que mudou (se algo mudou) em relação à equanimidade racial, e humanização de não-americanos, o “outro estrangeiro”?

ZINN: O Movimento dos Direitos Civis foi uma experiência educativa para muitos americanos. O resultado foi mais oportunidades para uma pequena porcentagem de negros, talvez 10% ou 20%, então, jovens negros indo à universidade e entrando em profissões. Uma maior consciência entre brancos – não todos, mas muitos – do racismo. Para a maioria dos negros, entretanto, ainda há pobreza e sofrimento. Os guetos ainda existem, e a proporção de negros na prisão ainda é muito maior do que a de brancos. Hoje, há menos racismo aberto, mas as injustiças econômicas criaram um “racismo institucional” que existe mesmo quando há negros em posições superiores, como Condoleeza Rice na administração Bush e Obama candidato a presidente.

Infelizmente, a maior consciência entre brancos sobre a igualdade dos negros não foi levada para as novas vítimas do racismo – muçulmanos e imigrantes. Não há equanimidade racial para esses grupos, que é enorme. Milhões de muçulmanos e um igual número de imigrantes que, legais ou ilegais, enfrentam a discriminação tanto legalmente por parte do governo quanto extra-legalmente por parte dos americanos brancos – e às vezes americanos negros e hispânicos. Os candidatos presidenciais democratas estão evitando esses assuntos para cultivar apoiar entre os americanos brancos.

Isso é vergonhoso, especialmente para Obama, que deveria usar sua experiência como negro para educar o público sobre discriminação e racismo. Ele é cauteloso em fazer afirmações fortes sobre esses assuntos e política estrangeira. Então, mantendo-se em linha com a tradição de cautela e timidez do Partido Democrata, ele adota posições levemente à esquerda dos Republicanos, mas muito aquém do que seria uma política esclarecida.

ALI: Você disse que o espírito democrático do povo americano é melhor representado quando pessoas protestam e expressam suas opiniões fora da Casa Branca. Como essa natureza de dissenso e protesto serve como o baluarte de uma democracia e uma sociedade civil saudável e funcionando? Muitos argumentariam que isso divide as coisas, ou não?

ZINN: Sim, dissenso e protesto dividem, mas de uma forma boa, porque representam de maneira acurada as divisões reais na sociedade. Essas divisões existem – os ricos, os pobres – se há dissenso ou não, mas quando há dissenso, há mudança. O dissenso tem a possibilidade não de acabar com a divisão na sociedade, mas mudar a realidade da divisão. Mudar a balança do poder em prol dos pobres e oprimidos.

ALI: Uma História do Povo dos Estados Unidos é considerado agora uma obra seminal, ensinada em colégios e universidades por todo o país. Por que você acha que a obra tem tal poder duradouro, tanta influência?

ZINN: Porque preenche uma necessidade, porque há um enorme vazio de verdade nos textos históricos tradicionais. E porque pessoas que conseguem alguma compreensão por si mesmas que há algo de errado na sociedade, ela buscam algo para sua nova consciência; seus novos sentimentos para serem representados por uma história mais honesta.

ALI: Votos de minorias, como hispânicos católicos, foram fundamentais para Bush em 2002, e alguns filhos de imigrantes tem uma raiva e um desdém virulentos contra imigrantes “ilegais”. Parece que muitas vozes marginalizadas esqueceram sua história e agora estão do lado daqueles que tencionam ativamente mantê-los ou às margens ou de alguma forma “oprimidos”. Como explicamos essa discrepância?

ZINN: Porque é do interesse de quem está no poder de dividir o resto da população para governá-los. Colocar os pobres contra a classe média, os brancos contra os negros, nativos contra imigrantes, cristãos contra outras religiões. Serve aos interesses do establishment manter as pessoas ignorantes de suas próprias histórias.

ALI: Muitos dizem que as corporações possuem a mídia americana. Qual é a expressão apropriada para o discurso democrático e disseminação de informação se de fato há um monopólio enviesado sobre a mídia?

ZINN: Como há o controle da mídia pelo poder corporativo, descobrir a verdade depende da mídia alternativa, tais como estações de rádio pequenas, redes como a Pacifica Radio, programas como Amy Goodman’s Democracy Now. Também, jornais alternativos, que existem por todo o país. Também, programas de TV a cabo, que não dependam de propagandas comerciais. E também a internet, que pode alcançar milhões de pessoas desviando da mídia convencional.

ALI: Algo irá mudar com relação à política estrangeira do EUA no Oriente Médio, especificamente na Palestina e em Israel caso os democratas ganhem em 2008?

ZINN: Os candidatos democratas, Clinton e Obama, não mostraram nenhum sinal de mudança fundamental da política de apoio a Israel. Não mostraram empatia com o sofrimento dos palestinos. Obama ocasionalmente se referiu à situação dos palestinos, mas à medida que a campanha tem prosseguido, ele tem enfatizado seu apoio a Israel. Então, uma mudança de política irá exigir mais pressão de outros países e mais educação do povo americano, que sabem agora muito pouco sobre o que está acontecendo com o povo palestino. Os americanos são naturalmente simpáticos àqueles que vêem como sendo oprimidos, mas têm pouca informação por parte de seus líderes políticos ou da mídia, que poderiam lhe dar uma imagem realista do sofrimento dos palestinos sob a Ocupação.

ALI: Como “a esquerda” pode reconciliar sua suposta indiferença à religião com o crescente setor “religioso” da sociedade se juntando a partidos “conservadores”? Pode haver paz entre os dois ou é um cisma permanente? Já notei fanatismo dos dois lados, entre os “seculares” e “religiosos”.

ZINN: A esquerda precisa fazer uma distinção mais clara entre a intolerância do fundamentalismo e a tradição progressista na religião. Na América Latina, por exemplo, há a “teologia da libertação”. Nos EUA, há os padres e as freiras que apoiaram os negros no Sul e que protestaram contra a Guerra do Vietnã. Então não é sobre ser a favor ou contra a religião, mas decidir se a religião pode ter um papel de justiça e paz ao invés de violência e intolerância.

ALI: Muitos não sabem que você foi um bombardeiro durante a Segunda Grande Guerra. Essa experiência lhe trouxe algum tipo de epifania, catalisando mudanças fundamentais na sua ideologia?

ZINN: Eu não sabia muita história quando me tornei um bombardeiro na Força Aérea Americana na Segunda Grande Guerra. Só após a guerra vimos que, como os nazistas, havíamos cometido atrocidades. Hiroshima, Nagasaki, Dresden, minhas próprias missões de bombardeio. E quando estudei história depois da Guerra, aprendi de minhas próprias leituras, não das minhas aulas na universidade, sobre a história de expansão e militarismo dos EUA.

ALI: Você é um homem em seus anos dourados, e você olha para trás para suas muitas realizações. Você fez coisas impressionantes. Algum arrependimento? E também, se você pudesse escolher algo que fosse seu legado – o que seria?

ZINN: Não tenho arrependimentos sobre minhas atividades políticas, só que às vezes me empolguei demais e não encontrei o balanço apropriado entre as obrigações para com minha família e minha necessidade de estar envolvido com movimentos sociais. Quanto a alguma trabalho meu que corporifique meu “legado”, provavelmente não é um livro, mas a combinação de ser um escritor e um ativista, ser um intelectual público, usar minha instrução para a mudança social.

ALI: Muitos olham para horizontes futuros com olhos sem esperança, cínicos, prevendo cenário desastrosos resultando de nosso descuido e excesso. Recessão. Guerra. Déficit. Extremismo. Anti-americanismo global. Políticas partidárias insinceras. Iremos implodir? Podemos avançar? Você tem esperança para o futuro da América?

ZINN: A situação presente para os EUA parece ruim, mas sou esperançoso, à medida que vejo o povo norte-americano acordar e ser majoritariamente contra esta guerra e o governo Bush, à medida que reflito sobre os movimentos na história e como eles se ergueram surpreendentemente quando pareciam derrotados. Acredito que o povo americano tem a capacidade de criar um novo movimento, que poderá mudar a direção de nossa nação de um poder militar para uma nação pacífica, usando nossa riqueza enorme para necessidades humanas, aqui e no exterior.